quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

D. Josefa.

O bebê de Josefa nasceu saudável e faminto após um longo trabalho de parto.
O segundo menino da família! Que felicidade! Não foi com parteira, foi no hospital por parto normal.
Alguns dias depois os familiares de Josefa perceberam que alguma coisa estava errada.
Josefa  estava apática, não chegava perto do filho, rejeita o bebê, um olhar perdido, vários comportamentos estranhos.
Procuraram socorro médico:
- Depressão pós-parto. Estágio avançado. Internação.
Mulher, pobre e negra, Josefa foi encaminhada a um hospital psiquiátrico público no final dos anos de 1970.
Um área imensa, 9 hectares, 5 deles de vegetação, um passaredo bonito ao cair da tarde e no início da manhã. Vários pavilhões, de fora uma sensação de beleza e descanso.
Dos lados internos dos muros, pouco havia mudado, os métodos psiquiátricos utilizados continuavam a ser o "sossega leão", o eletrochoque...
Grupos de homens e mulheres separados por gênero tomavam banho com o esguicho de mangueira. A água fria iria lhe aplacar os ataques...
No início Josefa recebia visitas, que diminuíram até desaparecer por completo.
Sete anos no hospital, uma tarde, Josefa teve um momento de lucidez, uma lembrança ou uma luz.
Tomou uma decisão repentina, observou que os funcionários estavam descuidados e pulou o muro, na parte em que havia grades, seminua, correu pelas ruas até chegar na casa dos pais.
Dois anos depois da  "fuga" matriculada numa sala de alfabetização de jovens e adultos, encantada por estar decodificando e imprimindo significado  à símbolos que antes não lhe fazia sentido.
Aluna participativa, sempre chegava com uma novidade, compartilhando o que  havia conseguido ler e fazendo mil perguntas a professora.
- Professora o que significa um "A", um "H" e quatro "I" de cabeça para baixo? Vi numa propaganda de refrigerante na rua.
- Professora porque nas bancas de revista tem um monte de palavras "VEJA"?
- Professora, por quê? Por quê?
A professora escutava e respondia.
Uma noite Josefa resolveu contar sua fuga para a professora.
Foi  a vez da professora perguntar:
- E me diga  D. Josefa e sua depressão?
- Foi Jesus  professora. Jesus me curou! Hoje cuido do meu filho!
- A senhora faz algum tratamento D. Josefa?
- De tantos em tantos meses vou ao hospital e o "dotô" me examina e ele me dá um papel com a data que devo voltar.
- Professora me ajude a ler esta palavra na revista que não estou conseguindo.
D. Josefa continuava pobre, morava em um  arremedo de casa, em um terreno invadido nas margens de um braço de rio.
Estava feliz porque não se achava mais uma pessoa-coisa, havia recuperado sua identidade.
A mulher se deliciava na leitura, na escrita, um sorriso diário. Suas perguntas animavam a turma.
E repetia sempre: - Só por Deus professora, só por Deus professora, estou conseguindo, Deus é bom!


por Flávia Cavalcanti Gonçalves







quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O mineirinho.

O mineirinho tinha os cachinhos dourados e o os olhos azuis.
Ela o via sempre nas reuniões que participava uma organização interdenominacional de missão para jovens.
Com o tempo começaram a conversar bastante e a amizade a se estreitar.
O mineirinho assumiu a liderança da organização naquela região.
Francisca começou a ter sentimentos amorosos em relação ao mineirinho.
As conversas se intensificaram,  começaram a passear juntos, o sentimento de Francisca era o de um amor romântico.
Conversa vai, conversa vem, o mineirinho um dia resolveu abriu o jogo.

- Francisca, não quero namorar você. Sou pobre e quero crescer na vida.
Sou líder nesta organização e estou estudando para ser um líder religioso, a única forma que vislumbro alcançar minha meta: namorar com filhas de líderes bem sucedidos financeiramente e você Francisca é uma garota pobre.

Numa tarde fria nos arredores da grande Belo Horizonte, em um retiro para jovens (no qual  a moça participava), Francisca  foi tomar um  banho, a água caiu como pedras de gelo no seu corpo de 52 kg, os ossos doeram, teve uma crise de tremor que demorou a passar. Enxugou-se, colocou a roupa se arrumou.
Francisca, não ficou gripada, não teve tuberculose, nem pneumonia.
A água gelada levou para o ralo o amor romântico.
O mineirinho mudou de estado, nunca mais Francisca soube dele, esqueceu seu nome, não sabe se o carinha alcançou  seus objetivos.
E uma tarde se encontrava no meio de uma chuvarada com gotas fortes, Francisca se lembrou do caso e sorriu, pensou... Estou começando a envelhecer, estou relembrando histórias antigas.

A escolha de um dia bom

Havia trabalhado o dia inteiro.
Já  era madrugada quando  Mônica se sentou para descansar um pouco.
Olhou pra os pés que estavam calçados com uma sandália de dedo e passou a observá-los. Estranhamente Mônica passou admirá-los.
- São até harmoniosos! Pensou a mulher.
Ficou  vários minutos naquela posição, observando os pés e pensando em sua vida.
Já adulta, em muitas ocasiões Mônica se enxergava menina e agia como tal.
Lembrou que cerca de três meses atrás algumas pessoas amigas lhe disseram:
 - Mônica, você tem um coração doce.
Intrigada com a afirmação, ela se atreveu e tomou coragem e perguntou a uma das pessoas.
- O que significa ser uma pessoa de coração doce?
- Com tudo que te acontece, você continua com um coração doce, um coração grande, que abraça as pessoas e procura ajudar. Seu olhar é cativante de uma pessoa amiga, um coração doce que procura não guardar mágoas.
Mônica agradeceu a resposta e depois ficou matutando, ser doce seria positivo ou negativo?
Olhando para os pés e pensando na resposta da indagação e dos últimos acontecimentos que lhe ocorreram, ela não estava apenas das tarefas daquele dia, mas estava cansada da vida.
Nos últimos anos sentia-se impotente e cética em relação a muitos temas.
Resolveu se banhar.  Com o chuveiro já ligado e água e espuma deslizando pelo corpo abatido, os pensamentos continuaram. Nunca se enxergou esteticamente bonita, o que lhe sobressaltava aos olhos era o que ela não gostava, algumas vezes, se olhava e penava hoje parece estar bem.
Inúmeras vezes, colegas, amigos e familiares lhe falavam:
- Mônica você é forte!
Frágil como uma folha de papel de arroz, lutando com suas dúvidas, medos, ansiedades, monstros e fantasmas, a mulher sorria e agradecia os elogios, na pseudo-segurança dos muros que cresciam dentro dela, tinha consciência que apenas era alguém que procurava viver.
Gostava das artes em geral, apesar de não ser competente em nenhuma delas, apreciava todas quando podia.
Os pensamentos de Mônica divagaram por leituras  realizadas sobre mitos e folclores de várias culturas. Educada a não acreditar em nenhuma destas histórias, porque não seria sensato crer em bruxas, vampiros, lobisomens, boitatás, fadas, duendes, Teseu, Perseu, magos e demais criaturas e histórias semelhantes... Ultimamente ela refletia de forma diferente.
- Estas histórias, personagens e criaturas representam os sentimentos e relações humanas, todos eles, dos mais belos, aos mais cruéis, dos mais sórdidos aos mais puros.  Todas as pessoas trazem em si contradições, presença de luz e de escuridão.
Resolveu ir deitar. Ao perceber no dia seguinte que a vida ainda estava presente, se levantou para mais um dia de enfrentamento e uma possibilidade infinita de escolhas.
E como existem tesouros preciosos para a mulher, na figura de amigos que ainda preferem a utilização de pouquíssimas máscaras, a mulher foi ao encontro destes para passar um dia agradável. Ela sabe que a vida é um sopro, sabe que não há como ter certeza da quantidade de dias, acredita que a vida deva ser alegre, que a vida deve ser intensa, mas, sobretudo acredita que a vida deve ser compartilhada com inteireza e sinceridade e foi abraçar pessoas amadas.
E o dia foi bom. 

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Amar?

Quando ele/ela chegou, foi devagar, não foi dizendo: amo você.
Foram conversas sobre trivialidades, posteriormente sobre gostos em comum, semelhanças em diversos temas. Mas não apenas semelhanças: existiam as individualidades e, portanto as diferenças.
Com o tempo os temas se aprofundam  e já se comenta não só as notícias do cotidiano, os as questões climáticas, as ansiedades, os segredos vão sendo desvelados e muito do que deveria ter sido guardado vai sendo exposto em doses homeopáticas.
O vocabulário se modifica e fica impregnado de doçura, com cheiro e sabor do doce que imaginamos desde a juventude. Doçura, carinho, acalento, cuidado, o domínio da língua escrita e oral em diversas línguas e um saber que toca as almas românticas, com músicas, filmes e literatura.
E em vários momentos aqui e ali, surgem frases que soam como melodias encantadoras, que inebriam, mesmo não querendo o/a outro/a de repente se percebe  fisgado/a. – Eu amo você. – Penso a cada minuto em você, meu amor. – Meu amor!!
Mas, o que amar? O que é amor?
Verbo ou substantivo?
Os vocábulos amar e amor foram banalizados e atualmente é muito difícil sabermos quando alguém realmente está expressando o amor, o amar, utilizando a linguagem como forma de expressão a um dos sentimentos mais belos que existe.
Amar e amor acompanham ações, e quando se ama se deseja o melhor para o/a  outro/a.
Quando não existem ações as sentenças são palavras soltas ao vento, que praticamente derrubam as pessoas como ventanias repentinas que  não esperamos,  ou como furacões que destrói tudo por onde passa.
Parafraseando Tiago, poderíamos dizer, amor é sem dúvida palavras e ação, um sem o outro não existe o amor. Sem dúvida é qualquer outro sentimento humano. Menos o amor, menos amar.  São apenas frases jogadas ao vento.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Tristeza e saudade.

Tristeza e saudade

Duas palavras que tem me acompanhado nos últimos anos: a tristeza e a saudade.
Tristeza e saudade se alternam no meu peito.
Vivo o cotidiano procurando cumprir com as tarefas necessárias aos meus papéis sociais e, sim certamente faço isso.
Mas apenas minha alma inquieta nos momentos do enfrentamento mais duro que temos que é nós com nós mesmos, são aqueles que o corpo sofre a tristeza e a lágrima escorre a saudade.